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Hereditário: um espetáculo sobre se entender família

  • Teatro

Peça criada por Clara Mello junto aos pais, Patrícia Mellodi e João Cláudio Moreno, está em cartaz em Teresina

Clara, João Cláudio e Patrícia: raiz fortalecida para uma arvore sempre viva (Foto: Léo Nakamura/Divulgação)

Por Leon Sanguiné – leon@cidadeinvisivel.art.br

Clara Mello nasceu artista. Veio com ela e não existe muito para onde fugir. Como o modo de falar da escritora, o sorriso, o temperamento, o jeito de cruzar os braços. Tudo veio dos pais – a cantora Patrícia Mellodi e o humorista João Cláudio Moreno. Essa trajetória de dores e delícias de uma casa artística está contada no espetáculo Hereditário, encenado pelos três na quarta-feira (4) e na quinta-feira (5), às 20h, no Theatro 4 de Setembro, em Teresina (PI). O projeto acontece com apoio da Lei Aldir Blanc e Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Os ingressos já estão disponíveis.  

Hereditário mistura música, humor e poesia, como não poderia deixar de ser. No palco, alegrias, tropeços e causos tão particulares quanto coletivos de uma família ao mesmo tempo única e igual a todas as outras. Clara assina o roteiro, mas teve a ajuda de João Cláudio Moreno no processo. Para a trilha sonora, formou parceria com Patrícia.

A peça é montada de forma cronológica, a partir de lembranças de infância da escritora, tendo escolhido os pais antes mesmo de nascer. A sequência aborda João e Patrícia se conhecendo, o casamento, o nascimento da filha, a separação do casal e a reconstrução do trio na família que sempre será. 

Clara acredita que desafios e prazeres se misturam ao contar a própria história junto aos pais da forma mais sincera possível. “Passei a vida toda vendo meus pais no palco. Esses dias minha mãe me perguntou ‘como é ter pais que sobem no palco, é estranho?’ e não soube dizer, porque só conheço a condição de filha através deles, sempre fez parte da minha realidade vê-los no teatro, na TV, etc. É curioso porque é outra faceta dos seus pais, eles são também uma persona artística, pública, tem outras personalidades. Você acaba naturalmente tirando seus pais do lugar careta e tradicional e os enxergando como seres tridimensionais, com mais complexidades e camadas. Para mim foi muito rico, enquanto artista e enquanto ser humano mesmo. E dessa vez não estou mais no lugar de espectadora, mas dentro do processo.”

Para Patricia Mellodi, o desafio está exatamente em conter a emoção, em um espetáculo que tem muito de íntimo e de acerto com o tempo, ao falar de forma franca sobre dores, perdões e falhas ocorridas ao longo do tempo. Vencida essa etapa, porém, surge todo um universo delicioso de acolhimento, conforto, reconhecimento. “Nós três somos complementares. A Clara é o presente da nossa união. Ela é a representação do que se preservou entre eu e o João, que é o gosto pelas artes, os valores parecidos. Minha filha saiu de casa aos 19 anos, então me reaproximar dela está sendo muito bom.”

Amor é sempre o caminho

Espetáculo é declaração de amor à família e ao estado do Piauí (Foto: Léo Nakamura/Divulgação)

Dentro das histórias presentes no espetáculo estão aquelas sobre a família ser formada por artistas. De diferentes áreas, mas unidos pelo prazer de fazer arte e as angústias de fazer arte no Brasil. Ver a família seguir esse caminho é motivo de orgulho, claro, mas também de preocupação para João Cláudio. “Para mim, que desejava para minha filha uma vida de segurança, foi preocupante. E ainda é. Acho que um artista sofre muito, mesmo quando faz algum sucesso. Mas o destino foi inevitável”, reflete.

Clara é ciente das dificuldades já quase naturais para quem é escolhido para o caminho artístico, mas prefere ressaltar a riqueza humana que costuma se sobressair em famílias unidas pela arte. “Criei um repertório artístico muito amplo por conta dessas influências. Isso inevitavelmente aparece, porque faz parte da minha bagagem. De forma prática também ajudou muito ter o apoio familiar. Quanta gente tem talento, mas não consegue desenvolver porque tem uma família que não entende, que não apoia, que não aposta na carreira artística como uma forma válida de trabalhar. Sem esse suporte e exemplo deles, talvez não tivesse conseguido enveredar por esse caminho.”

O suporte foi possível, crê Patrícia, a partir do momento em que se entendeu a necessidade de utilizar o amor e o perdão como fertilizantes da árvore dessa família. “A mensagem do espetáculo é essa. Evoluir a partir do apaziguamento. Uma raiz fraca, fofa, não gera uma árvore frondosa”, reflete. João concorda e acrescenta que esse processo é lento – precisa ser para que tudo seja de fato resolvido. “Queremos dizer para as pessoas que se separam que tenham paciência. Passam as mágoas, os traumas, e fica ym aprendizado capaz de fazê -las amar de verdade.”

O Piauí

O cenário é o Piauí, estado que viu tudo acontecer, como se parte do núcleo também fosse. Para Clara, o espetáculo é uma declaração de amor à família, mas inevitavelmente também ao Estado. “Hereditário é uma exaltação da força da ancestralidade, que está presente nos laços familiares, mas também do lugar que a gente vem, do nosso lugar de origem. É uma homenagem à nossa raiz em todos os sentidos. Há momentos no espetáculo que são totalmente dedicados a essa sensação de pertencimento, e a nossa relação com o estado”, comenta.